Uma visão diferente e crítica sobre jogos de nível zero
Personagens de Nível Zero e a Invisibilidade Social
Personagens de Nível zero são pessoas à margem da sociedade, destituídos de meios de influenciar nos acontecimentos do mundo. Para construir um personagem de zero Nível, faça a mesma rolagem de atributos, mas não conceda nenhum ponto de bônus adicional. Comece com 3 pontos de vida + CON. Role 2d10p para adquirir equipamentos ou o MJ pode dar os equipamentos iniciais.
Após os eventos que ocorrem no Zero Nível, depois da primeira aventura completa e um interlúdio para conectar os fatos, quem sobreviveu ganha o primeiro Nível na classe que mais foi próxima de sua atuação na aventura.
Jogos de Nível Zero são perfeitos para introdução ao jogo, sessões em eventos ou para rolar jogos no estilo sobrevivente. Jogar deste modo significa que os personagens passarão por calamidades diversas e podem morrer com facilidade, sendo repostos rapidamente, continuando a história a partir dali. Isso serve para prisioneiros em fuga, sobreviventes atravessando uma área de guerra ou mesmo pessoas em situações de extrema calamidade.
A invisibilidade social é um fenômeno evidente das relações interpessoais e socioeconômicas da contemporaneidade, intensificada especificamente nos séculos XX e XXI. O termo é amplamente utilizado nas Ciências Sociais para designar pessoas invisíveis socialmente, seja por preconceito ou indiferença. Para as pessoas que sofrem com tal fenômeno, o elemento que mais assola essa minoria é a constante humilhação. Invisibilidade Social tem sido aplicada em geral, quando se refere a seres socialmente invisíveis, o que nos leva a compreender que tal fenômeno atinge tão somente aqueles que estão à margem da sociedade.
Estar jogando de nível zero não quer dizer apenas que ele era uma pessoa simples, como camponeses, comerciantes, viajantes, guardas e outros, vai muito além disso.
Eu entendo esse nível 0 por aí mesmo. Essa discussão imprime no cenário a miséria/opressão a que a grande parte da sociedade do mundo esta submetida e suscetível as calamidades/pontos de virada que são as aventuras. Esses traumas empurram os sobreviventes para a vida brutalizada de proscritos aventureiros e a potencialidade moral para o egoísmo ou a empatia com os pequenos do mundo, que é um ótimo material para o desenvolvimento dos personagens e contexto para exploração e violência.
Fazendo uma analogia com a ficção da nossa cultura, me parece que o movimento de zero to hero de Breu esta mais próximo aos dramas de ambição e criminalidade do que às fantasias de poder dos supers ou da fantasia mítica clássica (ainda que elementos dessas narrativas tb estão presentes). Nesse contexto, a ilusão da meritocracia (do enriquecimento) é desvelada. Poderoso Chefão ou Sangue Negro, para ficar em dois clássicos, possuem um arco trágico — a maldição da prata permeia tudo, é uma corrente disfarçada de poder que agrilhoa as pessoas em uma sociedade adoecida. Comentário super válido do nosso amigo Raphael.
Personagens de nível zero são indivíduos que se encontram à margem da sociedade, precarizados, destituídos de poder, de meios e saúde, física e mental. São um exército cinza que apenas assiste de longe e nunca influencia nos resultados. São seres socialmente invisíveis, seja pela indiferença, seja pelo preconceito, e isso se deve a diversos fatores: histórico, cultural, social, religioso, econômico, estético, etc.
Logo, sua morte não é importante. Seu nome pouco importa. Seu passado muito menos. Personagens de nível zero são carne moída e graxa de uma engrenagem que pouco se importa. Então, após superarem as primeiras barreiras, conseguirem respirar minimamente aliviados, eles podem sair de zero nível e acessar o 1º nível.
O acesso ao 1º nível reflete o acesso à comida, descanso, recursos, direito a ser indivíduo, amar, desejar, ambicionar e outros fatores que o tira do papel de simples paisagem para um membro ativo da sociedade. Então, a partir daí eles entendem que precisarão lutar por suas ambições em meio a um mundo destruído e nesse processo, aceitar que trocam suas vidas por aquilo que desejam. A base fundamental de BREU.
Mas acho que temos que ter cautela com transformar em reflexo do nosso mundo, ainda que seja de nossa forma. Jogos com passagem de nível, os Zero to Hero, se considerarmos que a fantasia é um espelho do mundo real. Seria uma apologia a “meritocracia” mais tosca.” Completa nosso leitor Bernardo.
Alcançar o “primeiro nível” pode ser visto como um RECOMEÇO, o momento onde você tenta tomar as rédeas do seu destino ou dar um basta ao sofrimento que está vivendo. A busca pela saída do nível zero, a meu ver, é essa retomada. É deixar de ESTAR e voltar a SER.
Uma vez, que você poderá, a partir da sobrevivência básica, recontar sua história. A baixa capacidade, os poucos pontos de vida, representam essa fragilidade. Ao ter o mínimo, estar seguro, você pode voltar a pensar e tomar algumas rédeas novamente. O maior problema do “chamado à aventura” clássico de outros jogos que usam o Funil, a meu ver, é a falta do “ferver em fogo baixo”, soa rápida essa transição do simples ao primeiro nível. Talvez, pelo motivo desses jogos terem muitos níveis, isso fique menos importante ou gritante.
Uma vez que Breu conta com apenas 10 níveis. Ao assumir o 1º nível, você pode voltar a estudar as artes secretas que já estudava, voltar a se habituar ao peso da arma, que já conhecia. Voltar a se arrumar e galantear, como já era de costume.
Lembrando que BREU não é e nem fortalece a ideia de ZERO TO HERO (do zero ao herói). Mesmo no 10º nível você ainda será frágil, derrotável e mundano. Será forte, mas ainda mundano.
Nosso amigo Francisco fez uma ponderação muito válida. A base que move o mundo é qual nível? Não aqueles que ditam as regras, não aqueles que manipulam as sociedades, a base. Porque o nível é a introdução em uma especialidade, usando OSR como referência e a aventura “Corra seus Tolos” que jogamos, tínhamos ferreiro, médico, sacerdote, ladrão, assassino, um jovem de mente afiada. Se pensar na progressão de nível como uma especialização para uma vocação, o nível 1 passa mais como uma adequação vocacional dentro da demanda daquele cenário. Costumo ver o nível zero como aquele que não aceitou ou foi forçado para o chamado a aventura, não como um ser opaco, normalmente o mundo é movido por níveis zeros e seus diversos dramas. Outro questionamento poderia ser qual é o outro extremo? Qual é o nível herói, o Zero to Hero acontece em quantos passos?
Quanto menor for essa distância mais relevante se torna o nível zero. Penso que as sessões “funil/peneiras” com personagens de nível zero são justamente o chamado para a aventura onde os sobreviventes podem ou não atender, e pelo próprio aspecto do RPG, não é que suas vidas são descartáveis, ou desinteressantes ou destituídos de vontade, é que as histórias contadas serão daqueles que abraçaram o chamado e seguiram.
No fim, o ser de nível zero é aquele que não é capaz de se defender, de conquistar e manter moedas de prata perto de si. De conquistar, de ir e vir, de tomar e principalmente, de matar!
Alguns exemplos válidos de Nível Zero na Mídia
Cinderella Man (Luta pela Esperança)
Um lutador de boxe, quebra sua mão, enfrenta a quebra bolsa americana e então precisa se submeter a empregos de baixa remuneração e viver profundamente a pobreza. Sonhando em voltar a lutar profissionalmente, mas mal consegue comer ou cuidar da sua mãe, quanto mais treinar adequadamente.
Conan, O Bárbaro
Mesmo sendo um guerreiro formidável, ele encontra sua quase morte após ser crucificado para morrer no deserto, ficando meses para se recuperar, precisa voltar a treinar, descansar e necessita de cuidados contínuos para voltar a ser o que era. Mesmo que no filme isso tenha sido rápido, em suas histórias isso pode representar meses, longe de casa e de regiões conhecidas e precisando recomeçar.
Conde de Monte Cristo
Mesmo sendo uma pessoa respeitada e com reconhecida profissão, ele é lançado às piores condições, precisa se refazer, reaprender, treinar outras competências, fazer novas alianças e amores, para então completar sua missão.
O Beco dos Pesadelos
Por ser um filme muito novo, não darei spoilers aqui. Mas há um exemplo maravilhoso nesse filme, como um personagem pode alcançar os céus, tocar o sol e cair ao fundo do poço muito rápido.